História judaica em Portugal

A história dos judeus em Portugal começa no período romano, quando as primeiras comunidades judaicas se estabeleceram na Península Ibérica. Com a formação do Reino de Portugal no século XII, a presença judaica ganhou mais destaque. Durante a Idade Média, os judeus se destacaram como importantes comerciantes, médicos, astrônomos e conselheiros da corte. Este período marcou o apogeu cultural e econômico das comunidades judaicas, que prosperaram em cidades como Lisboa, Porto, Évora e Coimbra.

A sociedade judaica em Portugal era bem estruturada, com sinagogas, escolas e tribunais próprios. Os judeus mantinham uma relação de respeito e colaboração com a população cristã, contribuindo significativamente para o desenvolvimento econômico e cultural do país. A cidade de Lisboa, por exemplo, abrigava uma das maiores comunidades judaicas, conhecida por seu dinamismo e influência.

A história dos judeus em Portugal

No entanto, o cenário começou a mudar no final do século XV. Em 1492, a expulsão dos judeus da Espanha levou muitos a buscarem refúgio em Portugal. Inicialmente, o rei D. João II acolheu os judeus, mas logo impôs pesados tributos. Seu sucessor, D. Manuel I, visando consolidar sua união com a Espanha, decretou a conversão forçada dos judeus ao cristianismo em 1497, dando início a um período de perseguição.

Nascia aí o termo “cristão-novo”, para designar o judeu convertido . Apesar das conversões forçadas, muitos judeus continuaram a praticar sua fé em segredo, sendo conhecidos como marranos ou criptojudeus.

Cristão-novo

  • Origem e definição: o termo “cristão-novo” se refere aos judeus que, a partir do final do século XV, foram forçados a se converter ao cristianismo para evitar perseguições, especialmente após a expulsão dos judeus de Portugal e Espanha.
  • Aspecto legal: legalmente, esses judeus convertidos eram considerados cristãos e, em teoria, deveriam ser aceitos pela sociedade cristã. Mas, na prática, eram frequentemente discriminados e alvo de suspeitas, como uma “categoria inferior” de cristão.
  • Diferença social: ser um “cristão-novo” era algo amplamente visível e registrado; eles estavam sujeitos a vigilância constante e suspeitas sobre sua fidelidade ao cristianismo, ainda que tivessem adotado o catolicismo de maneira pública.

Marrano

  • Origem e definição: o termo “marrano” surgiu como uma referência pejorativa e se aplicava aos cristãos-novos que eram suspeitos de praticar secretamente o judaísmo, mantendo ritos e crenças judaicas dentro de suas casas, escondidos da sociedade e das autoridades religiosas.
  • Práticas secretas: os marranos formavam um grupo oculto, praticando sua fé judaica de forma clandestina, o que os tornava alvo constante da Inquisição. Em português, o termo acabou ganhando também o sinônimo “criptojudeus” para designar essa condição de prática religiosa oculta.
  • Significado pejorativo: “marrano” significa “porco” em espanhol, o que reflete o desprezo com o qual essas pessoas eram tratadas, visto que o consumo de carne de porco era um dos testes para verificar se alguém era realmente cristão ou estava apenas fingindo.

Em resumo:

  • Cristão-novo: termo geral para judeus convertidos ao cristianismo, sem implicação obrigatória de práticas judaicas ocultas.
  • Marrano: subcategoria de “cristãos-novos” que mantinham secretamente práticas judaicas, desafiando as autoridades religiosas e se arriscando a severas punições.

Ambos os grupos enfrentaram preconceito e perseguição, mas os marranos foram perseguidos de forma mais intensa devido às suspeitas de que ainda seguiam o judaísmo.

A Inquisição Portuguesa, estabelecida em 1536, perseguiu implacavelmente esses criptojudeus, resultando em prisões, torturas e execuções. O medo e a desconfiança se espalharam, levando muitos judeus a fugirem para outros países, como Holanda, Brasil e Turquia.

E as judiarias… o que eram?

As judiarias eram bairros ou áreas urbanas específicas destinadas à habitação de judeus em cidades da Europa medieval, incluindo Portugal e Espanha. Esses espaços eram geralmente delimitados por muros ou portões, que podiam ser fechados à noite, isolando os judeus do restante da população cristã.

A criação das judiarias era uma forma de segregar a comunidade judaica, muitas vezes devido a pressões religiosas e sociais. Apesar disso, as judiarias também eram centros de vida comunitária e cultural, onde os judeus podiam praticar livremente sua religião e manter suas tradições.

Características principais:

  1. Organização comunitária: dentro das judiarias, havia sinagogas, escolas, banhos rituais (mikva’ot), cemitérios e espaços de comércio.
  2. Restrições: em muitos casos, os judeus eram obrigados a viver nas judiarias por leis locais, como forma de segregação.
  3. Localização: geralmente situadas em áreas periféricas ou próximas às muralhas da cidade.
  4. Convivência com o exterior: embora isolados, os judeus tinham contato econômico com os cristãos, sendo conhecidos por atividades como comércio, medicina e empréstimos.

Declínio das Judiarias

Em Portugal, as judiarias começaram a desaparecer após o Edito de Expulsão de 1496, emitido pelo rei D. Manuel I, que obrigou os judeus a se converterem ao cristianismo ou a deixarem o país. Muitos judeus se tornaram “cristãos-novos” e continuaram a ser perseguidos pela Inquisição, mesmo após o fim oficial das judiarias.

    Herança judaica em Portugal

    Portugal preserva várias heranças judaicas em costumes, arquitetura, culinária e expressões culturais, principalmente em cidades pequenas ou vilas rurais onde houve presença judaica na idade média.  Muitos desses elementos foram absorvidos e reinterpretados pela cultura portuguesa, tornando-se parte da identidade nacional, embora tenham origens judaicas. Abaixo estão alguns exemplos:

    1) Pão ázimo na Páscoa:

    Em regiões como Castelo de Vide e Belmonte, o pão ázimo (sem fermento) é preparado durante a Páscoa, mantendo uma prática similar ao matzá judaico. Este pão simboliza a Páscoa judaica, ou Pessach, e é uma herança dos judeus ibéricos.

    2) Rituais de purificação:

    Em algumas comunidades rurais, ainda existem práticas de banho ritual para purificação, especialmente entre mulheres após o ciclo menstrual, uma tradição derivada do mikvá judaico, adaptada ao contexto português.

    3) Evitar carne de porco:

    Em várias aldeias portuguesas, especialmente em Trás-os-Montes e na Beira Interior, ainda há famílias que evitam carne de porco, uma prática ligada às leis kosher judaicas. Mesmo entre famílias cristãs, essa aversão persiste como uma tradição familiar sem explicação aparente.

    4) Sepulturas voltadas para Jerusalém:

    Em antigos cemitérios, é possível encontrar sepulturas orientadas para o leste, em direção a Jerusalém. Esse posicionamento era tradicional nas práticas judaicas e pode ser visto em várias cidades portuguesas, como em Castelo de Vide e em Belmonte.

    5) Uso de velas às sextas-feiras:

    Em algumas aldeias, ainda se mantém o costume de acender velas na sexta-feira ao pôr do sol, uma tradição judaica do Shabat, praticada de forma discreta por descendentes de cristãos-novos.

    6) Benção dos filhos:

    A prática de abençoar os filhos ao final do dia ou na sexta-feira, com as mãos sobre a cabeça, ainda é encontrada em certas famílias. Esta é uma tradição judaica adaptada que sobreviveu entre descendentes de judeus portugueses.

    7) Receitas judaicas na culinária portuguesa:

    Pratos como a alheira (linguiça feita com pão, aves e especiarias, sem carne de porco) foram criados pelos judeus para simular o consumo de carne de porco e assim evitar suspeitas da Inquisição. Hoje, a alheira é um prato típico português.

    8) Nomes de família de “cristãos-novos“:

    Muitos sobrenomes como Pereira, Oliveira, Carvalho, Nunes e Mendes têm raízes em famílias de cristãos-novos, uma forma de manter uma identidade sem revelar sua origem judaica. Esses sobrenomes estão entre os mais comuns em Portugal até hoje.

    9) Tradição de comer peixe na sexta-feira:

    Em Portugal, há um costume difundido de consumir peixe na sexta-feira, possivelmente influenciado pela prática judaica de preparar peixes antes do Shabat, já que era um alimento que podia ser consumido frio no sábado.

    10) Arquitetura com marcas de mezuzá:

    Em diversas casas históricas, especialmente em vilas como Belmonte, Castelo de Vide e Tomar, é possível ver marcas nas portas onde antes ficava a mezuzá (um pergaminho com versos da Torá). Estes marcos nas ombreiras das portas ainda são visíveis em algumas casas.

    11) Festas e celebrações anuais:

    A Festa dos Tabuleiros em Tomar, embora atualmente cristianizada, tem raízes em antigas festas judaicas, com algumas similaridades com o Sukkot (Festa das Cabanas). Algumas tradições foram transformadas ao longo dos séculos, mas ainda preservam vestígios das práticas judaicas.

    Essas heranças são testemunhos da resiliência da cultura judaica em Portugal, sobrevivendo de forma adaptada e integrada à cultura nacional.